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O nó persa

Por Joschka Fischer, Líder do Partido Verde, foi ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e vice-chanceler

As negociações entre o Irão e os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mais a Alemanha, sobre o programa nuclear iraniano entraram agora numa nova, e provavelmente decisiva, fase. Estas negociações decorrem há quase uma década, pautadas por longas interrupções e ninguém pode adivinhar se desta vez haverá desenvolvimentos. Mas a situação nunca foi tão séria como agora e a paz está em jogo.

Após a recente visita do primeiro-ministro israelita Binyamin Netanyahu a Washington DC e a do primeiro-ministro Turco Recep Tayyip Erdogan a Teerão, uma situação pouco clara começa a tornar-se mais nítida. Parece que o presidente norte-americano Barack Obama conseguiu ganhar tempo definindo uma meta – o início de um programa explícito de armamento nuclear iraniano – e garantido a Israel a sua prontidão para a acção militar caso as negociações falhem.

Além disso, tendo em conta o perigo de um confronto militar, os Estado Unidos, em conjunto com a Europa e outros parceiros, implementaram novas sanções “inteligentes” e rígidas visando as exportações petrolíferas iranianas – a sua principal fonte de rendimento – e isolaram em grande parte a República Islâmica do sistema de pagamento internacional. O Irão precisa urgentemente da sua fonte de rendimento petrolífera e, sem poder participar no sistema de pagamentos, o seu comércio internacional está a ficar paralisado. As transacções por meio de géneros e malas cheias de dinheiro não são uma alternativa viável. Desta forma, a economia iraniana está a ser abalada até ao âmago.

Além disso, os EUA parecem ter transmitido a gravidade da situação e as suas intenções de forma credível aos líderes iranianos através de vários canais. Por isso, caso esta ronda de negociações também não seja bem-sucedida, poderá ter início uma grande – e completamente previsível – tragédia.

A boa notícia reside no facto de que todos os intervenientes parecerem ter consciência desta situação, o que deverá fazer com que os envolvidos se concentrem num processo de negociações sério e numa solução diplomática. Deverá tornar-se evidente em breve se desta vez o Irão está seriamente disposto a assumir um compromisso, pois existem inúmeras referências para o medir.

O conteúdo desse compromisso é mais ou menos claro: a aceitação por parte do Irão de urânio pouco enriquecido para utilização não militar e salvaguardas melhoradas e verificáveis, tais como a exportação de urânio pouco enriquecido para processamento adicional e direitos de fiscalização mais fortes e abrangentes para a Agência Internacional de Energia Atómica em território iraniano. Por exemplo, a AIEA teria acesso a instalações iranianas vedadas.

É claro que um compromisso não iria abordar a questão do comportamento interno do regime iraniano e as suas ambições regionais – uma fonte de ansiedade partilhada por Israel e pelos estados árabes do Golfo, principalmente a Arábia Saudita. Mas, sem ninguém com vontade de entrar em guerra para obter uma mudança de regime no Irão, especialmente após a desventura no Iraque que durou uma década, não haverá obstáculos às negociações motivados por aspirações fúteis.

Isto aplica-se igualmente ao Irão, onde algumas pessoas influentes ainda pensam que os EUA podem ser expulsos do Médio Oriente, e que o status quo pode ser alterado de forma a instalar o Irão como o poder hegemónico da região. Esta ilusão, não inferior à esperança do Ocidente numa mudança de regime no Irão, só poderá ser seriamente levada por diante correndo o risco inadmissivelmente elevado de guerra e caos regional.

Outros factores significativos irão ter um papel importante no desfecho destas negociações. O primeiro prende-se com a política interna do Irão no que diz respeito à luta pelo poder no seio do regime – uma luta que já antes inviabilizou uma solução diplomática, devido ao facto de nem conservadores nem reformistas estarem dispostos a ceder um triunfo diplomático ao presidente Mahmoud Ahmadinejad. Resta-nos esperar que, à luz da gravidade da situação, esta via para o insucesso esteja vedada.

É provável que os desenvolvimentos na Síria, o último aliado do Irão na região, também venham a ter o seu papel. A queda do regime do presidente Bashar al-Assad seria um fracasso estratégico para o Irão, que se defrontaria com uma frente unida de estados árabes, apoiados pela Turquia, pelos EUA e, de certa forma, por Israel. O Irão teria então dificuldade em manter a sua presença no Líbano e a sua posição tornar-se-ia mais complicada mesmo no Iraque, independentemente da maioria Xiita. Resumindo, a sua procura por um domínio regional iria desabar.Devido à complexidade de factores externos, será importante não sobrecarregar as negociações nucleares com questões para cuja resolução as mesmas não estão preparadas. Os problemas da Síria, do futuro do regime iraniano, da situação no Golfo Pérsico e zona circundante deverão ser abordados a outro nível e noutro momento caso se pretenda conter ou evitar o risco de guerra devido ao programa nuclear do Irão.

Desde o tempo em que Alexandre o Grande resolveu de forma memorável o enigma do nó górdio com apenas um golpe da sua espada, sonha-se com soluções militares simples para resolver problemas complexos. Mas, na maioria das vezes, a aplicação de força militar para resolver um problema origina ainda mais problemas. No Iraque, George W. Bush, Dick Cheney, e Donald Rumsfeld demonstraram que a utilização do poder militar apenas como último recurso é não só um imperativo ético e moral, como também um imperativo baseado numa Realpolitik.

Existem momentos em que a utilização do poder militar se torna inevitável, mas nunca deverá ser uma opção alternativa à diplomacia. Esta constatação é decididamente verdadeira no que respeita o “Nó Persa” actual. No entanto essa escolha – guerra ou diplomacia – confronta agora ambos os lados.

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